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Para ficar na memória... o grupo da ULHT e da ULP que visitou Guimarães nos dias 23 e 24 de Outubro. A fotografia foi tirada no Museu Martisn Sarmento.
In Memoriam
Alfredo Margarido
Naquele fim de tarde de Outubro de 2000, compassadamente, entrava na Lusófona, e, entre «o temor e o tremor» das minhas íntimas elucubrações, ia-se-me esvaindo o ânimo. Era o meu primeiro ano, e ia assistir à minha primeira aula de «Epistemetodologia das Ciências Sociais e Humanas»!
Levara dias a treinar a dicção de tão intrincada denominação disciplinar, mas pior… não conseguira deslindar, nos inúmeros léxicos percorridos, o significado de tamanho palavrão. Associava essa dificuldade à mediocridade dos corriqueiros dicionários que, afinal, não haviam sido feitos para gente «grada» da academia que outras exigências requereria! Quanto mais difíceis as terminologias, mais sabedoria e competências, com certeza, envolveriam! E nisso residia a minha motivação. «O temor e o tremor» eram os laivos da minha verdade íntima que tendiam a desfeitear-me, semeando no meu íntimo a desconfiança pelo bom sucesso do meu empreendimento, lembrando-me os anos… a natural decrepitude física… os tempos que já eram outros… para quê estudar agora… o futuro que já nada tinha… o passado que me havia gasto… a inutilidade de tudo isto… a insensatez de um esforço… para nada!
E, neste cogitante apresso, lá encontrei a sala de aula. Estava repleta! Acomodei-me como pude e fixei-me no mestre de tão elevada cátedra – a da Epistemetodologia – a cujo estranho apelido – Alfredo Margarido (bizarro «masculino» da bela flor) – atribuí uma estreita correspondência com a dificuldade encontrada na busca do significado para o nome da disciplina! Tudo isto fazia sentido: se me parecia estranha a Epistemetodologia não o era menos o Margarido!
Sustive-me, mais expectante que calmo. Arregalei-me para o mestre, com o propósito de não lhe perder nem uma vírgula. Aquilo cheirava-me a aula «a sério», «de universidade»!...
– Tomem lá atenção! Eu sei que há aqui alunos de várias proveniências – de Arquitectura, de Sociologia, de História, de Ciência Política… e, olhem, até de Ciência das Religiões – por isso, o primeiro cuidado que vamos a ter é com o vocabulário. Cada ramo do saber tem o seu próprio vocabulário, e nós, aqui, vamos ter de fazer uso de um que sirva a todos.
Comecei a ficar mais calmo. Ele, afinal, tinha-nos, particularmente, em conta!...
Aquele ar reservado e grave, engrossado por uma máscara de intensa vivência septagenária, logo à partida, já me antevira arredio.
– Vamos começar pela ordem natural das coisas, ou seja, pelo princípio. Neste caso, pelo nome desta Disciplina – Epistemetodologia. Não vem ao caso saber quem é que teve a «(in)feliz» ideia de lhe chamar esta coisa esquisita e redundante. Dizer Epistemetodologia é o mesmo que dizer E-pis-te-mo-lo-gia. Todos sabem que a Epistemologia não é outra coisa do que a Teoria do Conhecimento cujo objecto é o estudo crítico da Ciência. Ora, como todo o estudo exige um método, é suposto que também a Epistemologia tem o seu método, por isso, era escusado meterem-lhe no meio um conjunto de sílabas que aludem ao método, só para complicar e tornar-lhe mais velado o sentido. Primeiro ponto, pelo facto de tão complexa palavra – Epistemetodologia –, estar no currículo, não a podemos de lá tirar, mas se tiverem alguns pruridos e não quiserem, lá fora, passar por pretensiosos eruditos, esqueçam-na! Porque do que vamos falar é da vida, das coisas correntes de cada dia, de todos nós, da cidade, do campo, dos meios urbanos e dos meios rurais. E das pessoas que os habitam, das suas relações e inter-relações, dos seus hábitos e costumes, do seu analfabetismo, iliteracia e culturas diferenciadas.
Olhem, o mestre começou-se-me a metamorfosear em Professor, e, pela tão positiva transformação que as suas palavras me causaram, ia-se-me esvanecendo a negativa imagem caracteriológica que eu lhe havia aposto.
Aquele semestre valeu-me por anos! E retenho algumas pinceladas sedimentais das tão condimentadas aulas:
– que o «bombordo», para os meus boçais compatriotas provincianos das primeiras demandas, era o lado mais aprazível dos navios pois lhes entretinha o olhar pelas praias e serranias costeiras, iludindo-os do afastamento e dos desconhecidos e pavorosos terrores oceânicos;
– que mulatos, cabritos e pardos são denominações de minorização categorial, apostas a seres humanos, por zoomorfização, e a que o homem «modelar» moderno recorreu para a classificação do «outro», diferente de si ou «que se lhe assemelhava», sabia-se lá porquê!…;
– que a globalização foi marcada por uma troca intraplanetária, enganosa e injusta, de «produtos» não equivalentes, determinando beneficiados, de um lado, e prejudicados, do outro: os Europeus deixaram, no Novo Mundo, a sífilis e a tuberculose, e trouxeram para o Velho Continente novos frutos e sementes (batata, milho, etc.); levaram reles panos coloridos e bugigangas e trouxeram prata, diamantes e ouro;
– que o mais eficiente veículo (in)formativo das novidades do mundo exterior, das modas e dos urbanos costumes – de uma forma continuada e de efeitos mais profundos, na sociedade rural, durante os séculos XVIII, XIX e ainda no XX – não foi nada a Rádio, nem os jornais, nem sequer o comboio, como atestam os livros de discurso oficial; foi a «criada de servir» e o seu vaivém, da cidade para o campo e do campo para a cidade. Ela sim, foi a grande lufada de ar modernizador do mundo rural. Para lá carreou a preciosa informação dos «modos» civilizados, das variadas técnicas e arranjos domésticos, do amanho das roupas, dos açucarados pitéus culinários e das bem condimentadas ementas citadinas, da etiqueta, do «saber estar», do «saber andar», do «saber falar», do «saber sorrir». À «criada de servir» impõe-se um reparo de gratidão, nesse precioso trabalho de ligação da cidade ao campo, nessa veiculação dos sofisticados códigos sociais!
Bem se entrunfava o Samuel, acolitado pelo Barata e pelo Emanuel: «que não tinham paciência para ouvir discursos sobre as criadas de servir, sobre os pretos e os mulatos, sobre as doenças venéreas dos navegantes!... etc., etc.» Mas, felizmente, de nada lhes serviam os murmúrios dos intervalos, pois na «torna viagem» para a aula:
– que despautério é esse de, a cada passo, os discursos dessa nova burguesia endinheirada se referir aos naturais, oriundos das antigas colónias, como de imigrantes de 2.ª e 3.ª geração? Tomem nota: não há 2.ª nem 3.ª, nem 5.ª gerações. Isso é discurso xenófobo e reaccionário, para perpetuar nos que aqui nasceram (de pais imigrados) o estigma de imigrante. Quem nasceu cá é filho de cá, é português. Esse discurso só tem um objectivo: guetizar! Não aceitem isso!
– é verdade que, em qualquer transporte público, acontece ver os jovens africanos (mas também as pessoas de origem rural), moverem-se, andarem e sentarem-se de forma que parece não respeitarem os circunstantes. Aprendam a «ver», a «observar», isso não é sinónimo de agressividade; isso é falta de conhecimento dos códigos sociais urbanos, a que chamam «da civilização». É algo que se aprende, vendo fazer. O domínio dos corpos e a sua disciplina (gestual e vocal) não tem nada a ver com carácter de humanidade; tem a ver com codificação cultural. É esse trabalho de observador e identificação que se exige a um estudioso do social.
– agora, um PONTO IMPORTANTE: quase todas as palavras do dicionário podem ser ditas, empregues e entendidas com mais do que uma significação (a essa característica chama-se polissemia). Tendo isso, SEMPRE, em consideração, apelo ao BOM USO das palavras, ao seu uso, com a propriedade que lhe cabe para cada momento, circunstância, texto, motivo, razão, intenção. Só usando esse poderoso instrumento que é a PALAVRA, com propriedade, sereis entendidos e o vosso discurso (oral ou escrito) surtirá o efeito que desejais naqueles que vos ouvem ou lêem.
Estas foram matérias de lastreamento do primeiro ano, que me abriram janelas, perspectivas, horizontes de pensamento e reflexão que, tão cedo, não esperava! E os meus companheiros de carteira, aos pouquinhos, lá se foram rendendo.
O segundo ano já «piou mais fino»! Eu, ao Prof., já lhe tinha tirado o «retrato» de todos os ângulos. Os azimutes tinham sido todos traçados e aventurei-me pela Socioeconomia Política do Mundo Contemporâneo como quem vai visitar portos que já foram ancorados.
Num primeiro momento, desancámos nos Americanos, até lhes vermos as ligações tendinais, e o pretexto por mim escolhido foi «A Depressão dos Anos Trinta», a tal crise de 1929, que mudou o Mundo. Hoje, uma noite de Outubro de 2010, ao voltar aos textos que então redigi, solta-se-me um desabafo – que gostaria de partilhar com o Professor Margarido – pela inevitável comparação a que sou forçado com a situação actual: «O mundo já viu este filme nos anos que antecederam a Crise de 1929.» Novamente, «a acção dos monopólios e dos cartéis, que, à revelia dos interesses comunitários, se sobrepõem às leis da livre concorrência dos mercados, atingindo o poder de compra dos consumidores».
De seguida, o enfoque viu-se revestido de algum anticlericalismo – que não deixava de agradar ao Prof. – e o pretexto foi «O Sustento do Clero e Instituições Religiosas», que começava assim: «Embora reconheça a despropositada ambição do título desta reflexão para tão fraco saber, espero que o esforço de clareza da redacção possa, de certa forma, iludir as insuficiências de conteúdo.» Sei que o Prof. nada dado a exibicionismos dos alunos ficou agradado pela rasteira entrada. E, então, também a seu contento, só houve que fazer levantamento dos aspectos mais clamorosos, envolvê-los das circunstâncias de contexto, problematizando, aqui e acolá, e concluir: «Depusemos algumas palavras, aflorámos alguns aspectos, tocámos alguns problemas, mas ficámos com a noção de quão à superfície nos quedámos!»
A partir daqui, só me faltava o Prof. convidar-me para um cafezinho no Bar. Mas, nem duvidem, pois foi o que aconteceu, e não foi só uma vez… foram muitas!…
E foram muitas também as conversas… conversas sem fim… Aliás, com Alfredo Margarido, as conversas nunca tinham fim… Mia Couto, diria que «iam finuando» (findavam… continuando). Eu e o Simão, tivemos aulas-conversa com o Prof. Alfredo Margarido, a sós, durante um Semestre. Foram momentos de diz-que-diz que não esquecerei, com picos de reprimenda, de truncosa argumentação.
– Mas, ouça lá, você que até parece um aluno responsável, onde é que ouviu ou onde é que leu isso? Isso é uma barbaridade, uma leviandade intelectual, uma falácia… olhe, isso… foi inventado!
– Mas, ó Professor, está na Net, eu tenho…
– Tem, mas não devia ter, nem devia perder tempo com porcarias que há na Net!... Eu logo vi… na Net!... Ó homem, discernimento e maturidade é o que é necessário para andar na Net!... para se ver logo o que é científico e o que não é. Bem… continuando…
– É verdade, o Professor, lembra-se do doutor Armindo Rodrigues, o poeta? (Ao poeta Alfredo Margarido falar-lhe de um concorrente das musas, era pôr óleo no braseiro!) Ele era um grande marxista, um homem solidário… Tinha um consultório em Alfama e até dava consultas gratuitas, ao povo, claro! Não era?
– Mas ouça lá, donde é que você conhece o Armindo Rodrigues?
– Sou gráfico, de carteira profissional, e conheci muita dessa gente das letras. O doutor Armindo era um dos clientes que ia à gráfica onde eu trabalhava, mandar fazer os seus livros de poemas.
– Poemas!... Poemas!... Você sabe lá o que são poemas!... Olhe, um belo poema era esse «poeta». Bem, lá fazia a sua caridadezita… um só dia por semana!... para sossegar a consciência, e, enquanto esperava os pacientes, ia juntando umas linhas… E, como tinha dinheiro (os médicos ganham o que querem!...) mandava fazer os seus próprios livros… Só!...
– E o Leão Penedo, e o Rogério de Freitas, e o Mourão-Ferreira?
– Malta da coboiada, fundaram para lá a Artis… pregaram uns quantos calotes e… uns morreram quase à fome ou tísicos… O Mourão-Ferreira não, esse vendeu a alma aos burgueses do 25 de Abril!... Poetas?!... Falem-me de Pascoaes!... De Editoras?!... Falem-me da Guimarães!...
Seguiram-se ainda outros «temas», muitos… até o da chuva artificial que lhe causou fúrias de indignação que quase o desfiguravam, por alguém, na Universidade, acreditar nisso.
Depois, infelizmente, as aulas acabaram… e acabaram as anim(adas)osas conversas com o Professor Alfredo Margarido!
Ainda o encontrei duas vezes. Uma delas, para lhe oferecer um Calendário das Religiões que ele aceitou com tão visível agrado que, ao agradecer-me, teve necessidade de acrescentar: «Vou lê-lo todo com muito gosto!... Parabéns, e, pelo aspecto, acho que deve ter sumo!» Uma segunda vez, nas escadas da Faculdade de Letras, mas só deu para um caloroso cumprimento, apertando-me a mão e o braço e desejando-me muito proveito pelo esforço na academia.
Nem sei se lhe respondi, pela comoção que me causou o calor afectuoso da sua saudação e augúrios.
Não o esquecerei e daqui lhe respondo, agora: DESCANSE EM PAZ, MEU CARO PROFESSOR. CONQUISTOU UM LUGAR NO MEU AGRADECIDO CORAÇÃO!
Rui Oliveira
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